13 de mar. de 2012

Rainer Maria Rilke

Prezado senhor,
Quero lhe agradecer por sua grande e amável confiança. Mas é só isso que posso fazer. Não posso entrar em considerações sobre a forma dos seus versos; pois me afasto de qualquer intenção crítica. Não há nada que toque menos uma obra de arte do que palavras de crítica (...)  
As coisas em geral não são tão fáceis de apreender e dizer como normalmente nos querem levar a acreditar; a maioria dos acontecimentos é indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra pisou, e mais indizíveis do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências misteriosas cuja vida perdura ao lado da nossa, que passa. (...)

Peço-lhe que tente ter amor pelas próprias perguntas, como quartos fechados e como livros escritos em língua estrangeira. (...) Viva agora as perguntas Talvez passe, gradativamente, em um belo dia, sem perceber, a viver as respostas. (...) Mas tudo o que talvez um dia ainda seja possível para muitos, o solitário pode preparar e construir com suas mãos, qu erram menos. Por isso, caro senhor,  ame a sua solidão e suporte a dor que ela lhe causa com belos lamentos. Pois os que estão próximos do senhor estão distantes, é o que diz, e isso mostra que o espaço começa a se ampliar à sua volta. Se o próximo está longe, então o que é distante vaga entre as estrelas, na imensidão”.
(...) Meu caro senhor Kappus, a solidão não é nada que se possa escolher ou abandonar. SOMOS SOLITÁRIOS. É possível iludir-s e a esse respeito e agir como se não fôssemos. É tudo. Muito melhor, porém, é perceber que somos solitários, e partir exatamente daí. (...)
Não se observe demais.  Não tire conclusões demasiado apressadas daquilo que lhe acontece; deixe simplesmente as coisas acontecerem. (...) ... um vício, não se deve dar a ele sem mais o nome de vício. Em geral, é preciso ter muito cuidado com os nomes; muitas vezes é o NOME de um crime que destrói uma vida, e não a própria ação, pessoal e inominada, que talvez fosse uma necessidade muito determinada dessa vida e pudesse ser acolhida sem esforço por ela.  (...)
Se ainda posso acrescentar algo, é o seguinte: não acredite que quem procura consolá-lo vive sem esforço, em meio às palavras simples e tranqüilas que às vezes lhe fazem bem. A vida dele tem muita labuta e muita tristeza e permanece muito atrás dessas coisas. Se fosse de outra maneira, nunca teria encontrado aquelas palavras. (...)
Também a arte é apenas um modo de viver, e é possível se preparar para ela sem saber, vivendo de uma maneira ou de outra. Em tudo o que é real há mais proximidade dela do que nas falsas profissões semi-artísticas que, ao simular uma proximidade da arte, na prática negam e atacam a existência de qualquer arte. Por exemplo, todo o jornalismo faz isso, assim como quase toda a crítica e três quartos do que se chama e pretende ser chamado de literatura. Alegra-me, em suma, que o senhor tenha superado o perigo de cair nessa armadilha e se encontre em meio a uma realidade bruta, solitário e corajoso. Espero que o próximo ano o mantenha assim e o fortaleça.
Sempre seu,

Nenhum comentário:

Postar um comentário