8 de fev. de 2012

O Olho da Rua (2)





18-10-05
A primeira reação que o cérebro processa ao encararmos o gélido
frescor da manhã após uma noite incompleta e frustrante, é julgar que
as instituições de apoio precisam ser assim. Caso contrário, não
seríamos imbuídos do desejo mor de não precisarmos delas. Deste modo,
temos pressa e algum pânico até para buscarmos uma melhora. A atitude
conformista só deixa espaço para culparmos nós mesmos.
A segunda reação é contabilizar vertiginosamente todas as dificuldades
e barreiras uma após outra. É automático e inevitável que isso ocorra.
O problema se desdobra em muitas cabeças.

Eu, recém-manejado, ainda mantinha as manias e aspirações típicas do
mundo anterior, o que pressupunha pressão interna. Uma variante
importante aqui se bifurca: existem aqueles que tiveram sempre a rua
por celeiro e são por isto privados de ambição. Só quem teve algo pode
sentir falta e se tornar motivado, em recuperar aquela posição. Ambos
os tipos posam com diferentes filosofias e medidas são traçadas a
partir deste valor básico.

No meu âmago, eu acreditava que aquilo que me acontecia era um
equívoco do Altíssimo que certamente já estaria trabalhando num plano
de resgate, urgente que me tiraria dali o mais breve possível. Eu
teria que suportar certas burocracias celestiais (redimir
“pecatidos”), mas a solução viria inexorável.

Em certas ocasiões ocorria-me o pensamento de que eu estava encarando
uma árdua prova, o maior dos desafios para que progredisse
espiritualmente, que me elevaria. Mas eu me preferia que Deus
dispusesse de outros aprendizados não tão radicais.
Por sinal, Ele corria risco razoável de que a fé de um cristão
tombasse ante tamanha depressão. “Definitivamente, não é uma boa
estratégia”. Eu julgava pra me acalmar.

Refugiava-me em fiapos de altivez e me municiava com estalos de
prepotência e seguia o frenético palpitar da cidade. Só conseguia me
sentir turista quando parava em alguma vitrine ou alguma mulher me
olhava com luxúria. A estranheza com os costumes paulistas, a frieza
sombria daqueles olhares, o meu “fundo do poço” secreto ( ainda não
descrito em minha testa) e a solidão de achar que até Deus estava
muito ocupado para me ajudar, formavam um caldo denso que me dragava
lentamente..





mesmo sem o dinheiro da diária corrente. Gastara os últimos trocados
no bilhete do metrô, eu não poderia chegar de outro modo.Foi preciso
muita insistência da assistente social dali para que o funcionário
liberasse duas pequenas mochilas. Ele ficou irredutível por quase
quarenta e cinco minutos, talvez imaginando receber uma semana em vez
de nem aquele dia. Tardou, mas percebeu que iria ter prejuízo e
finalmente me deu a chave do box onde elas estavam. Agradecia a
aguerrida colaboração da assistente (que ainda garantiu a concessão de
minha vigem de volta). Subi de escada rolante para a plataforma do
metrô. Nela, têm-se uma completa visão do interminável mar de
concreto, surreal, nada discreto. Me senti acossado frente a eles, um
calafrio premonitivo embaralhou minha espinha. Eu estava em parte
orgulhoso da minha ousadia em querer desbravar a maior cidade da
América Latina, mas temia ser inferior a toda aquela metrópole.


No parapeito mesmo da estação do terminal Tietê eu saquei caneta e
papel e rabisquei “O Fim da História”. Segue o poema:
Eu sou meu, e me decido (me resido ferido), ardil desmedido, eu sobre
o pódio merecido.
Eu sou plebeu, desguarnecido, ótica de pigmeu, evaporo meus poros,
obstinado e sagaz porém fugaz.
Eu sou ateu de cor e nome. Sou homem a afirmar e bradar. Minha
enciclopédia, minha melodramática comédia, Meu desvio de conduta. Eu
sou Galileu e portanto Sofro em silêncio. Sou voz de um apelo que
nunca será ouvido. Mas restará pleno em sentido. Do que sou, para onde
vou. O que me levou? Qual o ódio que o sustentou? A aventura indigna
mas benigna de auto-conhecer-se, saber ser e poder crer.
É perseverança, é acorde, É sorriso, é dança cósmica, um ombro, uma
sombra. E um gergelim...
E a história se determina assim!
Resolvi buscar as bagagens que havia deixado no maleiro da rodoviária,





" Esmiuçar tragicômico do cotidiano de pessoas
que residem e sobrevivem nas ruas".
"Aqui você saberá como é possível resistir sem o social,
o ético, o básico e outros que tais".
"Não precisa esconder a carteira: eu não vou pedir trocados.
Desarme-se, relaxe e tente me ver como um ser (como você) somente".

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