No momento em que se constitui um mercado da obra de arte, escritores e artistas tem a possibilidade de afirmar a irredutibilidade da obra ao estatuto de simples mercadoria como também a singularidade da condição intelectual e artística. Segundo o autor, a constituição da obra de arte como mercadoria e a aparição de uma categoria particular de produtores de bens simbólicos destinados ao mercado, criam-se
condições para o surgimento de uma teoria pura da arte. Esta teoria da arte leva a uma ruptura dos vínculos de dependência dos artistas em relação ao patrão ou a um mecenas, propiciando ao escritor e ao artista uma liberdade que logo se revela formal, sendo apenas a condição de sua submissão às leis do mercado de bens simbólicos.
Devido ao surgimento deste mercado, surgiram profundas mudanças em relação às concepções sobre a arte, sobre o artista e sobre o seu lugar na sociedade. O artista se afasta de seu público, considerando-se
gênio autônomo e criador independente. Nessas condições, nasce um público anô nimo de “burgueses” em conjunto com a aparição de métodos e técnicas tomadas de empréstimo à ordem econômica e ligados a
comercialização da arte – como por exemplo, a produção coletiva ou a publicidade para os produtos culturais – que coincide com a rejeição dos cânones estéticos da burguesia e ao esforço metódico para se
separar o intelectual do vulgo, ou seja, o artista se afasta tanto do povo quanto do burguês.
A estrutura e o funcionamento do campo de produção erudita
O campo de produção de bens simbólicos apresenta duas vertentes – mais ou menos marcada conforme as esferas da vida intelectual e artística – sendo elas: o campo de produção erudita e o campo da indústria cultural. A diferença básica entre os dois modos de produção se refere a quem se destinam os bens culturais produzidos. Assim, o campo de produção erudita destina a produção de seus bens a um público de produtores de bens culturais, enquanto o campo da indústria cultural os destina aos não -produtores de bens culturais, ou seja, a população em geral.
Campo de produção erudita
Ao contrário do sistema da indústria cultural que obedece à lei da concorrência para a conquista do maior mercado possível, o campo de produção erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de produção e
os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei fundamental da concorrência pelo reconhecimento propriamente cultural concedido pelo grupo de pares que são ao mesmo tempo clientes privilegiados e concorrentes. Pelo poder de que dispõe para definir as normas de produção e os critérios
de avaliação de seus produtos, o campo de produção erudita funciona como uma arena fechada de uma concorrência pela legitimidade cultural (consagração propriamente cultural).
Nesse sentido, há uma tendência cada vez maior da crítica, em se distanciar do público e fornecer uma interpretação “criativa” para o uso dos “criadores”. Por meio de suas interpretações de expert e de suas leituras “inspiradas” a crítica garante a inteligibilidade de obras fadadas a permanecerem inteligíveis para os não integrados ao campo dos produtores. Constituindo-se, assim, “sociedades de admiração mútua”, uma relação de solidariedade entre o artista e o crítico.
Nesse sentido, há uma tendência cada vez maior da crítica, em se distanciar do público e fornecer uma interpretação “criativa” para o uso dos “criadores”. Por meio de suas interpretações de expert e de suas leituras “inspiradas” a crítica garante a inteligibilidade de obras fadadas a permanecerem inteligíveis para os não integrados ao campo dos produtores. Constituindo-se, assim, “sociedades de admiração mútua”, uma relação de solidariedade entre o artista e o crítico.
Todo ato de produção cultural objetiva a afirmação de sua pretensa legitimidade cultural. Quando os diferentes produtores se defrontam, a competição se desenvolve em nome de sua pretensão à ortodoxia,
ou então , para falar nos termos de Weber, ao monopólio da manipulação legítima de uma classe determinada de bens simbólicos.
Quanto mais o campo estiver em condições de funcionar como o campo de uma competição pela legitimidade cultural, tanto mais a produção pode e deve orientar-se para a busca de distinções culturalmente pertinentes, isto é, busca dos temas, técnicas e estilos dotados de valor. Deste modo, é a
própria lei do campo, que envolve os intelectuais e os artistas na dialética da distinção cultural, que impõe os limites no interior dos quais tal busca pode exercer legitimamente sua ação. No entanto, a comunidade intelectual e artística erudita para afirmar a autonomia da ordem propriamente cultural
condena quaisquer recursos tecnicamente montados com procedimentos de distinção não reconhecidos e assim imediatamente desvalorizados como meros artifícios.
Neste contexto, os princípios de diferenciação a serem legitimados por um campo, que tende a rejeitar toda e qualquer definição externa de sua função, são aqueles que exprimem de modo mais acabado a especificidade da prática intelectual ou artística, ou melhor, de um tipo determinado desta prática. Por
exemplo, no âmbito da arte, os princípios estilísticos e técnicos são os mais propensos a se tornarem o objeto privilegiado das tomadas de posição e das oposições entre os produtores.
(...)
Na medida em que o campo de produção erudita amplia sua autonomia, os produtores tendem a se conceber como intelectuais ou artistas de direito divino, tornando-se “criadores”, “reivindicando autoridade devido a seu carisma”, procurando impor na esfera cultural um princípio exclusivo de
legitimação. Estes produtores mostram-se reticentes e resistentes à autoridade institucional que o sistema de ensino oferece como instância de consagração, mas devem reconhecer que estão submetidos à
autoridade institucional do sistema e é este que lhes dará a consagração final.(...) Segundo Hegel, a ignorância da lei não constitui uma circunstância atenuante diante de um tribunal.
Apesar do desconhecimento, esta lei está sempre em vigor, ao menos nas relações entre as classes diferentes, onde são impostas desde sanções materiais até sanções simbólicas. Tais sanções acabam por gerar um sentimento de exclusão da cultura legítima, resultando em um reconhecimento implícito da legitimidade através de dois tipos de conduta aparentemente opostas: a distância respeitosa dos consumos mais legítimos (um bom testemunho nos é dado pela atitude dos visitantes das classes
populares nos museus) e a negação envergonhada das práticas heterodoxas.
Em suma, a oposição entre o legítimo e o ilegítimo – que se impõe no campo dos bens simbólicos com a mesma necessidade arbitrária com que, em outros campos, impõe-se a distinção entre o sagrado e o profano -, recobre a oposição entre dois modos de produção: de um lado, o modo de produção
característico de um campo de produção que fornece a si mesmo seu próprio mercado e que depende, para sua reprodução, de um sistema de ensino que opera ademais como instância de legitimação; de outro, o modo de produção característico de um campo de produção que se organiza em relação a uma
demanda externa, social e culturalmente inferior.
Pierre Bourdieu - O Poder Simbólico
A Economia das trocas Simbólicas
Pierre Bourdieu ao analisar o pensamento de seus contemporâneos, em particular Durkheim , faz uma reflexão sobre a concepção estruturalista.
Para essa corrente de pensamento as estruturas da sociedade já estão “prontas”, uma estrutura “estruturada”, ou seja, devemos lidar com as relações levando em conta o que já existe. As estruturas que determinado meio cultural cria, é que determinaria as formas de convivência. Bourdieu critica essa visão objetivista dos estruturalistas por não reconhecerem o papel dos agentes sociais e subordinarem a ação simplesmente a um sistema previamente estruturado. Para Bourdieu a todo um “jogo” simbólico entre os agentes de uma sociedade, esse jogo se da entre posição e situação e esses dois pólos estão intimamente ligados, chegam mesmo a ter semelhanças. Há uma busca por ascensão de parte a parte. As relações que se colocam entre classes sociais não devem ser olhadas apenas relativamente às estruturas, os agentes se movimentam sim em busca de legitimar sua posição, por exemplo a burguesia, ou buscar superar uma situação (proletários). Claro que Bourdieu reconhece que os agentes, de certa forma, também estão “presos” ao Habitus, daí por que agem de tal maneira, buscam determinados objetivos, etc. Ao lado desse habitus, está a distribuição desigual dos bens materiais e simbólicos que acabam justificando certa posição de classe, mais vale o ter, do que o ser! As conquistas sociais passam a ser simbolicamente “naturais.” Esse simbolismo resignifica os grupos dominantes, tornando-os culturalmente e economicamente legítimos. Isso se percebe facilmente (roupas, casas, escolaridade,etc.), ou seja, é natural que eles estejam onde estão (no poder), que se vistam como se vestem (muito bem), etc. Os que ocupam a posição de dominantes farão de tudo pra lá se manterem.
Enfim, digamos que posição e situação se traduzem em dominantes e dominados! Os aspectos simbólicos, o Habitus e o cultural passam a realizar dentro da estrutura, imposições econômicas de um grupo, em detrimento de outro.
(Economia das Trocas Simbólicas. Café com Sociologia)
O autor define o objeto de arte pela intencionalidade estética do objeto e não por uma funcionalidade e diz que o espectador para fluir a obra precisa estar pré-disposto a tal, a aceitar seus códigos, mesmo que não seja um iniciado no campo dos conceitos da arte. Contudo, uma introdução à história da arte dotará o espectador de algumas ferramentas úteis para a decifração de tais códigos inerentes ao objeto artístico. Isto é, se tal introdução for dotada de caráter crítico frente a tais conceitos e frente também aos próprios conceitos estéticos e de legitimação da obra e de seu modo de produção.
O autor critica uma tendência da história da arte a trabalhar apenas com ícones consagrados em detrimento de outros, traduzindo uma tendência a naturalizar aquilo que é do campo sociológico. Chama atenção ainda, para as consequências de tal falha, que se denota quando historiadores, ao retomar a leitura de determinadas obras, que ficaram apagadas em determinado tempo da história, não dispõem de registros históricos de tais suficientes para uma análise mais “fiel” e acabam por atribuir juízos de gostos e atributos simbólicos, além de incorrer em erros de atribuição de valores que nem sempre condizem com a veracidade dos fatos.
O autor contrapõe os conceitos de estética dominante às concepções estéticas de gosto não-domesticado. Definindo o modo de produção estética, como produto de uma transformação do modo de produção artístico. Daí a necessidade de se estudar a história da percepção dentro da ótica desses processos.
Questiona o espaço do museu como único fator legitimador da obra de arte e descreve um pouco, dos conflitos entre a burguesia intelectualizada, a burguesia “dominante” e a classe desprovida de acesso a arte.
Quanto à burguesia dominante, é acusada de forjar um discursso de conhecedora de obras de arte, como forma de legitimar sua supremacia aumentando seu distanciamento do público em geral, consumir e apropriar-se da obra de arte. Tal postura não se limita a isso e traz inúmeras outras consequências como a imposição desses valores a outras esferas e a difusão de idéias que elevam a arte ao campo do misticismo, do egocentrismo e atribuem ao artista qualidades de gênio e de “iluminados” por uma suposta “inspiração criadora”.
(...)
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