22 de mar. de 2012

Guy de Maupassant

(Um caso de divórcio)
“Amo as flores, não como flores, mas como seres materiais e deliciosos, passo meus dias e minhas noites nas estufas onde as escondo como se fossem mulheres de um harém.
Quem conhece, além de mim, a doçura, a loucura, o êxtase fremente, carnal, ideal , sobre-humano dessas carícias; e esses beijos na carne rósea, na carne vermelha, na carne branca, miraculosamente diferente, delicada, rara, fina, untuosa das admiráveis flores?
Tenho estufas onde ninguém entra além de mim. Entro lá como quem penetra num lugar de prazer secreto. Passo, primeiramente, na elevada galeria de vidro, entre duas filas de corolas fechadas, entreabertas ou desabrochadas que se inclinam do chão ao teto.
É o primeiro beijo que me enviam.


Essas, essas flores, as que enfeitam este vestígio das minhas misteriosas paixões, são minhas servas e não minhas favoritas. Elas me saúdam ao passar com o seu brilho mutável e suas frescas exalações. São graciosas, elegantes, dispostas em oito filas à direita e oito filas à esquerda, e tão cerradas que parecem dois jardins descendo-me aos pés.
Meu coração palpita, meu olhar se incendeia ao vê-las, meu sangue se agita nas veias, minha alma se exulta e minhas mãos já tremem de desejo de tocá-las. Passo. Ao fundo dessa elevada galeria existem três portas fechadas. Posso escolher. Tenho três haréns.

Mas entro com maior frequência no local onde ficam as orquídeas, as minhas feiticeiras preferidas. Seu aposento é baixo, sufocante. O ar  úmido e quente umedece a pele, faz arfar a garganta e tremer os dedos. Essas filhas estranhas vêm  de regiões pantanosas, ardentes, e insalubres. São atraentes como sereias, mortais como venenos, admiravelmente bizarras, enervantes,  assustadoras. Existem  aqui algumas que parecem borboletas com asas enormes, patas esguias e olhos! Porque elas têm olhos! Elas me olham, me vêem esses seres prodigiosos, inverossímeis, essas fadas, filhas da terra sagrada, do ar impalpável  e da quente luz, essa mãe do mundo. Sim, têm asas, olhos e matizes que nenhum pintor pode imitar, todos os encantos, todas as graças, todas as formas que se possam sonhar. Têm o flanco oco, aromático e transparente, aberto para o amor e mais tentador que toda a carne das mulheres. Os inimagináveis desenhos de seus pequenos corpos lançam a alma em êxtase no paraíso das imagens e das volúpias idéias. Estremecem em seus caules como se quisessem voar. Voarão? Virão até mim? Não. É meu coração que voa sobre elas como um macho místico e torturado de amor.(...)
Como são carnudas, profundas, rosadas, de um rosa que umedece os lábios de desejo! Como as amo! A borda de seu cálice é frisada, mais pálida que a garganta, e aí se esconde a corola, boca misteriosa, sedutora, açucarada em contato com a língua, revelando e ocultando os órgãos delicados, admiráveis e sagrados destas pequenas criaturas divinas que cheiram bem e não falam.
Às vezes, tenho por uma delas uma paixão que dura tanto quanto a sua existência, alguns dias, algumas noites. Retiram-na então da galeria comum e encerram-na em um encantador gabinete de vidro onde murmura um fio d´água sobre um leito de relva tropical vindo das ilhas do grande Pacífico. E eu fico junto dela, ardente, febril, e atormentado, sabendo que sua morte está próxima e vendo-a murchar enquanto a possuo, a aspiro, a bebo e colho sua curta vida em uma inexprimível carícia”.
Foto de Pablo menezes



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